Em 1997 chegava às telas o décimo oitavo filme da série James Bond, mais uma vez apresentando como protagonista o ator Pierce Brosnan. Com o título de “O amanhã nunca morre”, a trama tinha como vilão o personagem Eliot Carver, vivido por Jonathan Pryce, um magnata psicopata que, através da manipulação de notícias originárias de seu conglomerado de imprensa, tentava colocar Estados Unidos e China diante de um impasse nuclear. Suas informações distorcidas sugeriam para as duas superpotências ataques recíprocos que, no fundo, ele os teria financiado e concluído. Esta obra de ficção foi inspirada em ações que se tornaram relativamente comuns na realidade, ou seja, volta e meia algum magnata se associou, ao longo do tempo, com algum grupo de mídia, especialmente depois que todos ficaram enfraquecidos com a era digital. Agora, vinte e cinco anos depois, comprova-se que o amanhã, de fato, nunca morre, depois do anúncio da aquisição feita por Elon Musk. Ao transformar o Twitter em empresa de capital fechado, algo que será concretizado nos próximos meses, ele passará a deter não apenas uma das maiores plataformas de comunicação de todo o planeta, mas os limites de sua utilização, que aparentemente serão esgarçados. Vale lembrar, a discussão sobre a censura de conteúdo, não apenas no Twitter como em plataformas congêneres, primeiramente chamou a atenção da comunidade europeia e chegou ao ápice com o cancelamento do ex-presidente Donald Trump das redes. Os principais motivos se assentam na “disseminação de notícias falsas”, sem que se saiba exatamente quem as interpreta, mesmo lembrando que, por se tratar de empresas particulares, possuem o direito de adotar políticas próprias a bem do “convívio salutar” de suas “comunidades”. O que Musk pretende fazer, algo que foi comemorado desde ontem pelos “defensores da liberdade de expressão”, entre os quais apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, é retirar totalmente as amarras ideológicas ou éticas desta discussão: ou seja, estamos prestes de assistir a transformação de um meio de comunicação em octógono de MMA. Será interessante, caso isso realmente aconteça, por vários motivos. Em primeiro lugar, participar ou não de uma “comunidade” significa aceitar suas regras; quem não concordar, paciência. Segundo: o “monopólio da informação” há tempos deixou de existir, ou seja, considerar certo ou errado, aceitável ou não, isso depende mais da atitude do destinatário, e não do remetente. Riscos? Inúmeros, principalmente por abrirem espaço para manifestações racistas em todos os níveis, incluindo a tal “incitação ao ódio”. Beirar os limites da anarquia é conveniente para a sociedade? Parece que isso estará em pauta nos próximos meses, não exatamente no STF, incompetente para julgar as orientações do Twitter. No filme, Carver perdeu. Vejamos Musk.