Sobraram poucos grupos no meu WhatsApp.

Abro um deles e leio uma das mais encantadoras mensagens dos últimos anos.

A Fá postou uma foto de um lindo lenço, ainda na caixa com a seguinte mensagem:

“Como diz a Vivi, não guarde nada sem usar.”

A caixa foi encontrada entre os pertences da Chica.

Dona Chiquinha se foi neste ano, em meio à pandemia e se foi em grande estilo, intacta ao vírus.

Partiu para um cruzeiro com destino ao lado de lá, certamente usando um dos seus lindos lenços. Eu não pude ir abraçar minha amiga que se despedia da sua mãe, mas eu me despedi da Chica imaginando-a no convés acenando para sua família e para todos com um sorriso no rosto e uma cervejinha na mão.

Brindou a vida neste mundo e partiu! Partiu sem ser contaminada pelo vírus, em um último ato de teimosia ela resistiu e deixou que a morte natural a levasse para o Cruzeiro rumo ao outro lado da vida.

Acompanhei os últimos anos da Chica narrados por sua filha, que é uma das minhas grandes amigas.

E foi fazendo hora no aeroporto que a sempre tão elegante Dona Chiquinha resolveu tentar ensinar à filha a usar os lenços que eram sua marca registrada.

Transcrevo aqui o relato da Fá, bem escrito como tudo que ela escreve, bem-humorado e cheio de afeto.

“As lembranças dos lenços são engraçadas! Ela sempre usou muito e eu sempre achei muito chique e útil, mas eu nunca os soube usar.  

Colocava no pescoço e parecia que eu estava com dor de garganta. Nas costas, parecia aquelas avós espanholas, meus nós eram sempre os mesmos. Desengonçados. 

Nunca me ajeitei, acho que faltava estilo. Até que um dia estávamos a caminho de Portugal e no saguão do aeroporto, sem nada melhor para fazer enquanto aguardávamos para embarcar, ela resolveu me ensinar as várias possibilidades do lenço e os truques com os nós. Nunca rimos tanto quanto naquele aeroporto. 

Ela me ensinava e eu arrumava uma piada para cada nó: dor de garganta, nó de forca, cabo de guerra, “teresa”….

Atualmente não saio sem os lenços. É como se ela estivesse comigo. 

Por isso escolhi um deles para te dar.”

E cá estou eu a imaginar a honra de ter um dos lenços da tão elegante Dona Chiquinha… A vida é generosa comigo!

Eu também não sei usar lenços com a elegância que merecem, mas talvez eu me torne mais elegante só por tocar em um dos lenços da Chica, cuja maior elegância não foi a que vinha da forma com a qual ela se adornava, mas da força, da resistência, do afeto, da delicadeza com a qual ela desfilou pela vida com olhar firme e ao mesmo tempo suave.

Quase ninguém percebeu seus tropeços, quase ninguém soube quando os seus pés as vezes doíam, quase ninguém notou o cansaço e o medo.

Quase ninguém dimensionou suas dores, quase ninguém viu sua fragilidade.

Chica é para mim uma espécie de sacerdotisa, uma mulher que caminhou por todo o percurso do desfile sem decepcionar seus espectadores, enchendo de orgulho sua família. E hoje ela certamente está em uma elegante noite do comandante, enfeitada por um dos seus lindos lenços em um alegre Cruzeiro onde estão os que souberam viver e souberam morrer.

E como ela dizia:

“Deus abençoe a toda essa gente maravilhosa!”

Deus abençoe você Dona Chiquinha!

Obrigada por tanto.

Você jamais será esquecida.

NOTA DA FÁ:

O lenço para mim deixou o significado de laço, de união, uma das tantas lições que minha mãe me ensinou.