*Publicado originalmente em Blog do Ogro

Uma mulher de 26 anos, grávida de 14 semanas, passou por momentos de grande constrangimento ao tentar conseguir uma declaração médica atestando sua gravidez e poder, assim, se vacinar contra a Covid-19. O caso aconteceu na Unidade Básica de Saúde do Bairro do Tatu esta semana, dia 20.

Em uma postagem do Facebook da Prefeitura de Limeira de 10 de maio, justamente falando sobre o início da vacinação em gestantes, Yasmim Garcia Leivas fez o seguinte comentário:

Prefeitura de Limeira, só faltou instruir melhor os médicos do SUS. Hoje, no posto do Tatu, com Dr. Lauro Soares, precisei brigar para conseguir uma declaração médica para ser vacinada contra Covid. Estou grávida de 14 semanas. O mesmo disse que não tem porque prescrever sobre algo que não acredita, que a pandemia é uma piada, coisa de politica para reduzir a população mundial, que ele como médico não tomou a vacina da Covid e não iria prescrever, que o coronavírus não foi identificado ainda e que as pessoas estão morrendo de gripe A e B e não de Covid.

Me disse que a máscara é o nariz de palhaço e não consigo outro médico para pré-natal porque já iniciei com este bosta. Me falou também que poderia mandar fiscalização, qualquer um que fosse lá para punir ele e esbravejou o CRM, endereço e horário que está lá no posto.

E que não recomenda nem para a filha dele e que não é para julgá-lo caso meu bebê morra ou nasça com problemas, que ele não iria ser culpado por isso.

Pare e reflita um instante antes de prosseguir: um médico do SUS na cidade que adotou o tratamento precoce como padrão de atendimento, em acompanhamento à uma grávida de começo de gestação, colocando medo sobre a vacinação, relatando teorias conspiratórias (só faltou defender a cloroquina, mas não duvidamos que defenda mesmo). Esse é o cenário.

Óbvio que quis saber mais do ocorrido, de tão estarrecedora que é a situação. Em conversa com este jornalista, Yasmim detalhou o ocorrido:

“Felipe, estou abaladíssima ainda. Estou com muito medo de me vacinar, mas conversei com o pediatra da minha filha, ouvi muitos relatos, conversei com gestantes, desde ontem estou igual doida pesquisando e me sentindo péssima por não ter apoio do médico que está acompanhando meu pré-natal.

Chorei muito a noite toda, não dormi, estou num nervoso tremendo. Meu marido e eu optamos pela vacina, vou hoje me vacinar, mas o medo não sumiu não. Simplesmente estou com fé em Deus e decidi ouvir tudo o que li até agora sobre a eficácia e segurança da vacina”.

Após todo o drama sofrido, ela saiu da consulta com seu atestado comprovando a gravidez, não sem antes ficar traumatizada. E, segundo ela, o constrangimento já aconteceu outras vezes durante outras consultas, já que o médico é o responsável por seu acompanhamento pré-natal:

“Infelizmente não tenho como provar nada, não gravei. Mas na primeira consulta com esse médico, já ouvi dele que não recomendaria e fiquei mais de 40minutos ouvindo sobre politica e religião. Porém, me foi dito por ele que se mesmo assim eu decidisse por me vacinar, ele iria escrever o papel, mas ontem, depois de três consultas com ele, quando pedi a declaração, ele ficou doido da vida.

Falou que não podia indicar algo que não acredita, jogou em cima de mim a culpa se caso meu filho viesse com problemas de saúde ou morresse e disse que o covid não existe.

Ontem mesmo, antes de ir para consulta, soube de uma perda por covid de uma pessoa queridíssima minha e hoje uma pessoa da família foi entubada por covid. E ouvir de um médico que o covid não existe, realmente estou me sentindo sem ter o que fazer, porque ele me disse que poderia ir quem fosse lá, mas a opinião dele não mudaria”.

Moradora do Parque dos Sabiás e grávida pela segunda vez, a gestante foi encaminhada para a UBS do Bairro do Tatu por conta do fechamento temporário da unidade no Jardim Campo Belo, mais próximo à sua residência.

Além da inconsequente forma de abordar a questão com uma grávida, o médico ainda teria perdido o prazo de um importante exame a ser realizado durante a gestação.

“Perdi o ultrassom da translucência nucal porque ele não pediu. Só soube hoje por um aplicativo de celular que tenho sobre gravidez que era até 14 semanas para saber se o bebê tem alguma deficiência”

De fato, o exame é feito para medir a quantidade de líquido na região da nuca do feto, devendo ser realizado entre a 11ª e a 14ª semana, e serve para calcular o risco do bebê apresentar malformação ou síndrome, como a síndrome de Down, por exemplo. Um exame sempre muito aguardado por mães e pais, por motivos óbvios.

Outros lados

Informei o ocorrido ao diretor de Gestão Administrativa da Secretaria Municipal de Saúde, Hugo Nogueira Luz, que, após tomar ciência, informou que a pasta está apurando o ocorrido para tomar as devidas providências, mas que esse não é o procedimento adotado pela prefeitura quanto à orientação das gestantes sobre a vacina contra a Covid-19.

Yasmim me informou que, após todo o questionamento feito à prefeitura, foi procurada pela Ouvidoria do SUS e encaminhada para vacinação (devidamente aplicada). Também trocaram o profissional que fará o restante do acompanhamento pré-natal, em outra UBS, para minimizar futuros constrangimentos.

Sobre o exame perdido, segue aguardando providências da secretaria de Saúde.

Em recesso, Câmara silencia

Enviei mensagem para dois vereadores da Comissão de Saúde da Câmara para saber se há intenção em convocar uma reunião extraordinária para abordar o assunto durante o recesso, já que outras mulheres talvez estejam passando pelo mesmo assédio ideológico e, assim, acabam não se imunizando.

Marco Xavier informou que levará o assunto para tratar na comissão e, caso seja necessário, convocar o médico para prestar esclarecimentos sobre a postura adotada. “E sigo à disposição da gestante, caso precise de algo que meu gabinete possa fazer diante desse caso”.

Já o presidente do colegiado, Everton Ferreira, não se manifestou sobre o assunto até a publicação deste texto. No destaque da foto que abre este texto, o vereador aparece com o prefeito Mário Botion em visita ao mesmo local em 2017. Talvez seja o caso de, como parlamentar atuante da área de saúde, revisitar a UBS, já que a “autonomia do médico”, nesse caso, poderia ter custado uma vida e está influenciando diretamente em questões de saúde pública.

Procurei também a vereadora Mariana Calsa, procuradora da mulher no legislativo limeirense, já que foi bandeira sua o início da vacinação nas mulheres que amamentam e não possuem comorbidades, em junho deste ano. Me relatou que entrou em contato com a prefeitura, que já está ciente do relato e vai abrir procedimento para apuração dos fatos. “Se ocorreu, lamento a postura do médico, aguardo e cobrarei a atribuição de responsabilidade pelo Executivo”.

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