Não foi um padre, mas um saudoso amigo, Antonino Alcântara Teixeira Martins, o responsável pela minha visão do período quaresmal. Há muitos anos, depois de cumprirmos uma tarefa no setor esportivo, nos reunimos para o costumeiro bate-papo avaliativo. Revelei minhas queixas sobre essa época, que incluíam a recorrência de episódios ruins durante um período que, curiosamente, se encerrava na Páscoa, a data mais importante para os cristãos. Meu querido “presidente”, como eu o tratava, tranquilizou-me quanto a essas coincidências sombrias, dizendo que, mais que uma época na qual somos convidados para o jejum, a penitência e a oração, a Quaresma exige reflexões. Pensar profundamente em nosso cotidiano, desde o tratamento dispensado ao próximo, como a forma de enfrentar problemas, com delicadeza ou agressividade. Ódio ou amor. Ou seja, trata-se de um período para avaliarmos se, realmente, estamos agindo de acordo com os princípios que nos constituíram, ainda crianças ou jovens.
Pensei muito nesses ensinamentos não exatamente pelo período em curso, mas por suas propostas do ponto de vista mais subjetivo. Porque, acredito, dificilmente a humanidade tenha se transformado tão rapidamente. E o bom-senso, que sucumbe diante deste permanente confronto entre orientações de “direita” e “esquerda”, nunca foi tão necessário. Essa quase compulsão de opinar, e exatamente por ocorrer sem as devidas ponderações, parece ter jogado multidões em um campo de batalhas, não de cultivo. Para usar um jargão esportivo, não se vence no grito, expediente predileto daqueles que apenas sentam sobre suas ideias. Portanto, vivenciar a Quaresma é olhar para um espelho d’alma, buscando descobrir como podemos melhorar, contribuir, atender e perdoar. Sabemos quando erramos, quanto e como, mas a vergonha desta reconsideração não pode neblinar o caminho da verdade. As reflexões, portanto, serão úteis enquanto construídas neste confronto, agora sadio, entre erros e acertos. Nesta prestação de contas que faremos para nós mesmos, sem exageros de avaliação e sem excluir deste livro algumas páginas já rasgadas, cujos recortes ainda os guardamos. Finalmente, jejuar, no sentido amplo da ideia. Estabelecer algumas renúncias durante a Quaresma alegra o Senhor, mas o desafio, sabemos, é a prática. A permanência. O esvaziamento das mágoas, dores, ressentimentos e todo o tipo de angústia é o que mais contribuirá para além destes quarenta dias. Porque, se não for para melhorar, nada valerá a pena.