* Publicado originalmente em Blog do Ogro.
Oficialmente, o caso acontecido em Limeira na semana passada – quando um homem de 56 anos precisou se despir na saída do supermercado Assaí para provar que não estava roubando qualquer produto – ainda não chegou ao conhecimento da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal. Ao menos se analisarmos a ata da reunião da comissão realizada na manhã desta quinta-feira, 12.
Nela, nada consta sobre a situação ocorrida na cidade na última sexta-feira, 6. Nem na matéria oficial publicada no site da Câmara consta alguma informação sobre o assunto. Um tanto estranho, já que em épocas passadas, essa comissão já teria até realizado uma reunião extraordinária para saber como proceder e acompanhar o caso.
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Até houve uma tentativa de inclusão do assunto na ata, mas foi voto vencido. E fiquei aqui me questionando: daqui 10, 20 anos, quando alguém acessar as atas para fazer algum tipo de estudo ou levantamento histórico, verá que a Câmara sequer tomou conhecimento do fato notório e amplamente difundido em todos os setores da sociedade há quase uma semana. O fato simplesmente ainda não existe nos anais legislativos.
Conversei sobre isso com os vereadores que fazem parte do colegiado – Betinho Neves, Isabelly Carvalho e João Bano.
“Não chegou nada para a comissão. Vamos tentar ouvir alguém do mercado para saber da versão deles também. Acredito que na (próxima) quinta tomemos algumas posições. Agora é tudo com o advogado dele. Estou em contato com o advogado, mas não me respondeu ainda, estou aguardando”.
Betinho Neves – presidente da CDH da Câmara de Limeira
Já a vereadora Isabelly convocou uma coletiva de imprensa na última quarta-feira, 11, para que o advogado da vítima pudesse explicar os próximos passos. Porém, como não fui convidado (ainda não sou qualificado como órgão de imprensa, aparentemente), procurei a parlamentar, que me relatou o seguinte:
“Estamos aguardando a denúncia oficial do advogado da família e através dessa denúncia, que é a provocação, é que vamos encaminhar à comissão. Propus de constar em ata hoje alguma manifestação, mas a comissão decidiu que é melhor esperar a denúncia para poder agir com cautela e não se precipitar. Por isso que não temos nada em ata hoje, mas a denúncia está chegando por meio do meu gabinete para encaminhar e poder inquerir as pessoas e o supermercado”.
Isabelly Carvalho – membro da CDH da Câmara de Limeira
O outro vereador da comissão, João Bano, também se manifestou sobre:
Eu sou o vice presidente da DH, ontem na casa foi feito uma coletiva de imprensa a pedido dos representantes do senhor Luiz, onde participei. Como não ouvimos a outra parte, achamos mais prudente deixar para a reunião da próxima semana. A comissão achou melhor fazer dessa forma. Da minha parte, todas as providências cabíveis serão tomadas.
João Bano – vice-presidente da CDH da Câmara de Limeira
Tempos áureos
Com um nome extenso e pomposo (Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos, dos Direitos do Consumidor, dos Direitos da Criança e do Adolescente e dos Direitos do Idoso), o colegiado viveu tempos de grande atividade quando presidida pelo ex-vereador Wilson Cerqueira em seu último mandato (2013-2016).
Me recordo que as reuniões duravam horas, com coleta de depoimentos sobre várias denuncias recebidas e provocadas pelo próprio vereador, com atuações fora do ambiente legislativo também, como visitas a locais onde havia dúvidas sobre a garantia e preservação de direitos.
Por conta disso, conversei com Cerqueira para entender, sob sua ótica, qual a conduta a ser tomada pelos parlamentares.
“Esse fato foi noticiado pela imprensa do Brasil inteiro e até do mundo. Então, o crime que aconteceu contra os direitos de uma pessoa, que foi maltratada, humilhada, está muito claro na Constituição e nas regras da lei. Evidentemente que só por já ter sido um fato público contra os direitos da pessoa humana, cabe a qualquer vereador verificar o que aconteceu“.
Obviamente quis saber qual posicionamento tomaria caso estivesse ainda na condição de parlamentar da comissão.
“Vários casos acompanhei como presidente da comissão. Alguém vai dizer ‘ah, mas o regimento diz que só pode investigar se receber a denúncia’, mas a gente também representa a população. Então se aconteceu um fato, a gente tem de estar presente. Se a pessoa não quer ir ate a comissão e fazer a denúncia, não tem problema. Mas a nossa parte é estar presente e saber do que aconteceu, para que possa, como poder legislativo e representante do povo, dar nossa contribuição”.
“A comissão pode apurar, ela vai evidentemente, pelo regimento interno, ouvir as duas partes. Claro, eu também ouvia as duas partes. Aí com base nos depoimentos, vai fazer um relatório e fazer a denúncia ao Ministério Publico, esse é o papel da comissão. Se eu fosse o presidente, você não tenha dúvida que eu faria exatamente isso”.
Sobre a conduta de sua correligionária na Câmara, Cerqueira disse que já conversou com a vereadora petista sobre a situação.
Conversei com a Isabelly e com certeza essa denúncia vai chegar à Câmara. Se ele [a vítima] chegar em qualquer parlamentar e fizer a denúncia do que aconteceu, o vereador é obrigado a redigir a termo o recebimento e apresentar na Comissão de Direitos Humanos.
Tem de fazer o papel que cabe ao parlamentar. Às vezes a pessoa não quer ir até a Câmara, não quer fazer a denúncia. Mas você, como vereador, tem de se colocar a disposição porque muita gente não sabe como funciona a comissão, então a gente que tem de botar o pé na estrada e ir conversar com as pessoas.”
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Comissão offline e secreta?
Com esse fato, fica ainda a eterna dúvida que trago aqui desde que montei este espaço: por que razão as reuniões das comissões não são transmitidas online? Esse fato é o mais gritante exemplo sobre como a ata é fria e não condiz com o que foi deliberado e debatido entre seus membros.
Gostaria de colocar aqui as falas dos parlamentares da comissão sobre os motivos pela recusa de constar em ata hoje, mas infelizmente não posso, já que a reunião não foi transmitida e não foi gravada. Uma reunião que é pública vira secreta por falta de tato da Mesa Diretora em definir parâmetros para a transmissão e acompanhamento por parte da população.
Nenhum presidente de nenhuma das comissões se prontificou a transmitir suas reuniões ou ao menos registrá-las e torná-las públicas via Youtube oficial da Câmara. E por qual motivo? Há medo, entre os parlamentares, de que os atrasos e ausências fiquem mais evidentes caso as reuniões sejam publicadas?
Se um poder legislativo não quer que seus representados saiba o que está sendo falado, é porque há medo em trazer à público o que é deliberado internamente. E repito: reunião de comissão não é secreta, é pública e é um direito da população saber como seu representante se portou sobre determinados assuntos. A ata se provou mais uma vez não-condizente com a realidade.
Nesta semana, nas duas sessões acontecidas e nas comissões, o lamentável crime acontecido em Limeira na semana passada simplesmente não existiu, pois não houve questão de ordem que trouxesse o assunto para debate.
E quando for votada daqui semanas a moção de protesto apresentada por Isabelly, haverá acordo entre os líderes de blocos para que apenas a autora se manifeste, já que há matéria demais a ser lida e tempo de menos para o parlamento parlar.