* Publicado originalmente em Blog do Ogro.

Creio que à essa altura, você já deva estar ciente do fato ocorrido em Limeira na última semana, quando um homem de 56 anos foi humilhado na saída de um supermercado ao ser abordado por seguranças.

A situação ganhou destaque no final de semana em vários veículos de comunicação nacional, culminando na demissão do funcionário envolvido e uma investigação no Ministério Público.

Mesmo tendo acontecido na última sexta-feira, 6, a Prefeitura de Limeira emitiu uma nota repudiando o episódio apenas no começo da noite de segunda-feira, 9.

O pronunciamento oficial tardou um pouco diante da gravidade da situação e se apequenou por se bastar a ser apenas isso: uma nota, sem ações concretas por parte do Executivo, já que apenas reuniões com o movimento não solucionam o problema enfrentado diariamente pela população.

Soa como um tapinha nas costas, dizendo que tudo ficará bem e que “estamos acompanhando atentamente” até acontecer novamente e não receber a devida reação do poder público: pesquisando nas leis municipais, é notável que Limeira não possua legislação local que combata e puna estabelecimentos por conta desse tipo de conduta.

O que a cidade oferece é: Dia Municipal do Combate ao Racismo (em 21 de março); normas ainda sem regulamentação para criação de um selo de estímulo à promoção da igualdade racial na iniciativa privada (o que certamente não qualificaria o dito mercado); e a introdução nos currículos das escolas municipais de estudos contra a discriminação racial. E apenas isso.

Ausência municipal

Não há lei que suspenda atividades de comércios que pratiquem racismo. Não existe norma municipal que imponha multa para o estabelecimento que causar esse nível de constrangimento e crime. Não temos sequer um regimento para auxiliar no treinamento e sensibilização no quadro de funcionários da iniciativa privada quanto a abordagem discriminatória.

Em 2011, um projeto foi apresentado na Câmara com o objetivo de proibir qualquer discriminação em espaços públicos e estabelecimentos comerciais por motivo de: raça, etnia, sexo, orientação sexual, cor, idade, estado civil, condição econômica, filosófica ou convicção política, religião, deficiência física, imunológica, sensorial ou mental, cumprimento de pena ou em razão de qualquer particularidade ou condição.

Previa até a cassação de alvará em caso de situações que envolvam a “prática de maus tratos, sejam físicos ou morais, constrangimentos, exposição à situação vexatória ou tratamento diferenciado” pelos motivos elencados acima. Mas a proposta foi retirada pelo autor. E nenhuma outra foi reapresentada nos últimos 10 anos.

Mesmo que existam legislações estaduais e nacionais, é um tanto preocupante que os legisladores municipais atuais e pregressos não tenham criado algo próprio, mesmo que fosse apenas para replicar algo já existente. Afinal, já tivemos vários casos de vereadores copiando no município as leis federais apenas para garantir status eleitoral.

O que esperar?

Uma nota oficial que demora três dias para ser publicada demonstra que algumas prioridades são tardias demais. Gostaria de ver, na próxima semana, um projeto de lei ser enviado pelo prefeito Mário Botion para Câmara com um Código de Conduta Antirracista, por exemplo, e essa norma ser aprovada em regime de urgência. Garanto que nenhum vereador apresentaria questionamentos quanto à necessidade imediatista de sua votação.

Mas nem a moção de protesto contra o fato, de autoria da vereadora Isabelly Carvalho, mereceu destaque na última sessão, ficando protelada para as próximas semanas. E olha que temos no legislativo limeirense a maior proporcionalidade de parlamentares negros da história.

Isso não foi o suficiente para que, em oito meses de legislatura, alguma lei fosse produzida para coibir essas situações ou ao menos trazer a discussão à tona. Quem sabe agora, com um caso de grande sensibilização social, a Comissão de Direitos Humanos opte por entrar também na jogada e elaborar um projeto que colabore para evitar novos casos notórios no futuro.

Em tempo: ainda que tardia, ao menos a Prefeitura se manifestou. E a vereadora Mariana Calsa foi das únicas autoridades que postou em suas redes sociais um repúdio público.

Já na Câmara, como poder constituído, sequer um posicionamento oficial da presidência ou da Mesa sobre o lamentável ocorrido.

(Na foto que abre este texto, a posse do Conselho Municipal dos Interesses do Cidadão Negro – Comicin em 2017. Achei significativo o que ela representa, basta saber olhar para a composição da imagem).