*Publicado originalmente em Blog do Ogro

Durante o recesso parlamentar, duas notícias no portal da Câmara de Limeira chamam a atenção pela semelhança e pelo atrito que ambas poderão causar entre si e também com a classe política na cidade: a consolidação de leis municipais relativas à saúde e também à mulher.

A cada legislatura, parlamentares criam dezenas de leis, muitas relacionadas ao mesmo tema. Com isso, a pesquisa sobre os aspectos legais que regem esse determinado segmento pode ser complicado, já que são dezenas de regramentos separados por anos e décadas, algumas agregando vários nichos.

Assim, surge o ato de reunir em um projeto todas as leis já publicadas e que tratem sobre determinado assunto ou área de atuação, facilitando tanto o conhecimento legal das normas em vigor quanto sua fiscalização, aplicação e futuras adaptações.

A mais conhecida delas certamente é a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), quando em 1943 foi unificada toda legislação trabalhista existente no país. Desde então, já foram mais de 500 modificações em sua estrutura.

Em Limeira, a vereadora Lu Bogo quer uma comissão para estudar e consolidar todas as leis municipais em defesa das mulheres. Já o vereador Everton Ferreira já anunciou que está estudando unificar as leis que envolvam a saúde (cerca de 240 normas), mas sem comissão criada, para não dividir os louros.

E essas intenções, apesar de válidas, esbarram em conflitos complicados de balancear e filtrar, com algumas chegando a ficar apenas na intenção, mesmo.

Antecedentes

Em 2018, o vereador Nilton Santos obteve sucesso com a consolidação das leis bancárias: após uma comissão ser aberta e estudar cerca de 40 normas, reuniu 29 legislações anteriores em um único texto.

No mesmo ano, Constância Félix tentou fazer isso com a proteção animal, mas depois de quatro meses travado sem parecer na Comissão de Constituição, Justiça e Redação, o projeto foi retirado.

Curiosamente, no ano anterior, em 2017, a vereadora já havia protocolado uma espécie de “código de postura” relacionado à responsabilidade, exibição, circulação e políticas de proteção aos animais de Limeira.

Após dois anos tramitando, no dia de sua votação em 2019, o prefeito Mário Botion mandou um projeto semelhante e mais amplo, reunindo algumas leis em um Código Municipal dos Direitos dos Animais, o que gerou protestos por parte da vereadora ao ver sua proposta ser emendada pela base do governo para adiá-la:

https://www.facebook.com/constanciabfelix/videos/m%C3%A1rio-botion-articula-pra-prejudicar-projeto-de-l%C3%AAi-de-prote%C3%A7%C3%A3o-animal-em-limeir/361631381149348/

Por fim, obviamente, o projeto de Botion foi aprovado e o de Constância acabou sendo arquivado. E ali nasceu o mito do “homem que copiava”.

Em 2013, uma Comissão do Empreendedorismo sugeriu a consolidação de leis para bares e restaurantes, mas também não obteve avanços, já que sequer um projeto foi formulado. No início daquela legislatura, outra comissão foi criada com o mesmo foco: de autoria de Jorge de Freitas, a “comissão de assuntos relevantes para promover estudos objetivando a consolidação das principais leis do município’ funcionou até junho de 2014 e, ao final, apenas elaborou um relatório com apontamentos de mudanças a serem feitas (o que nunca aconteceu também).

Os limites da diplomacia

A questão de uma consolidação envolve um aspecto bem delicado e sensível e extenuante: a revogação de leis anteriores, retirando assim o mérito de quem as criou no passado (e até reativar antigas rusgas temporariamente sepultadas).

Ao apresentar a compilação, o autor precisa ter em mente que estará mexendo com o ego dos parlamentares pregressos que fizeram as leis que serão extintas. E muitos ainda com atuação política ativa e que não gostarão de serem excluídos da equação legal.

Peguemos como exemplo a intenção de Lu Bogo em reunir todas as normas sobre violência contra a mulher. No passado, sua correligionária e atual vice-prefeita, Erika Tank, se destacou por conta das leis criadas nesse sentido, especialmente a partir de 2014. Foram dezenas de leis que são usadas até hoje como bandeira em suas ações, mas que poderão ser revogadas caso a proposta de sua colega vereadora prospere.

E isso cria um atrito intrapartidário: o Partido Liberal (PL) conta com quatro vereadores – Lu, Mariana Calsa, Terezinha da Santa Casa e Airton Santos- e que terão de apagar os focos de incêndio que poderão ser criados durante o trâmite da matéria, mesmo que não se tornem públicos.

As três mulheres pensarão na praticidade e benefícios de uma união de todas as leis ou ficarão retraídas em criar atrito com a prefeitura por conta disso (o que fatalmente acontecerá)? E os demais parlamentares da base, principalmente, votarão conscientes de que estarão tirando peso político da vice para futuras intenções eleitorais?

Além disso: no caso da intenção de Everton, quando ambos se depararem com uma lei que envolva tanto a questão da saúde quanto da violência de gênero, quem ficará com a lei a ser consolidada? Como exemplo, a lei que versa sobre a garantia de mulheres com deficiência terem equipamentos adequados para exames preventivos de câncer de mama e de útero. Quem chegar primeiro, leva?

Outro exemplo: Everton irá encontrar, fatalmente, leis do médico e vereador Dr. Júlio, que se sentirá constrangido e até incomodado em votar pela revogação de uma lei de sua autoria no passado. Como se dará o tato nessa situação: retira a lei da consolidação, maculando sua intenção inicial? Ou a mantém no grupo e sustenta o abalo sísmico a ser causado?

A comissão pretendida pela vereadora Lu Bogo foi criada na sessão desta segunda-feira, 2 de agosto, na volta do recesso. Aguardemos os próximos capítulos, pois!